O curandeiro e os empalamados
“Aprochegue-se, minha gente
Venha mi vê e mi escutar
Sou benzedô por natureza
Magi gosto di expilicar
Mi chamo Zé Juca Machado
Conheço di cabo a rabo
As doris do nosso lugar.”
“Confesso sem me avexar
Eu inté cobro um valor
Compro as ervas no mercado
E arranco por onde vou.
Já curei tifo, câncer, catapora,
Daqui ninguém vai simbora
Sem saber que se curou.”
“Magi vortando ao assunto
Que aqui tô a tratar
Este humirde curador
Agora passa a contar
Quem vê pensa: ‘é milagre’
Mas milagre aqui não há
Milagre só aquele lá de riba
Que tá a tudo enxergar.”
“O cunhecimento que tenho
Adquiri com o véio Salomão.
Benzidô, curandero e sábio
Que morava no Albardão.
Era tão bom, o danado
Que curava alergia, resfriado
Tuberculose, bronquite e pulmão.”
“A garrafada não inventei,
Aqui tenho qui confessar,
Foi uma filha de Maria
Que mi ensinou a rezar.
Aprendi benzê arca caída
Zipra, verruga e ferida
E em nome Deus curar.”
Nisso, um político afamado
Chegou pra fazer consulta.
O Zé pensou com seus botões:
“O que quer esse filho da fruta?!
Se ele aqui der um piu
Mando pra puta que pariu
Pois não aceito permuta”.
“Pode falá, meu irmão,
A que devo a visita a meu lar?
Só não venha comprá voto
Sem dinheiro pra comprar.”
“Não, vim aqui pedir guarida
Para que me tires essa ferida
Que está a me atazanar.”
“Eta dor forte, filha da mãe
Tá me doendo um bucado.”
“É dori nas vistas, na zureia?
Tás vendo tudo embaçado?”
“Não senhor, é na cabeça,
E disso tenho certeza,
Razão de estar desesperado.”
“Nunca senti dor igual,
Pra curar não tenho mais fé.”
“Desembucha, meu amigo
Diga logo que diabo di dor qui é?
Não gosto de perder tempo
A vida passa depressa...”
“Posso dizer agora mesmo
Antes bote uma compressa.”
“Essa dor que estou sentindo
Até na barriga dá nó,
Desce-me pelas costelas
Vai pras costas e o mocotó.
Já fui a muitos doutores,
Sinto no corpo tantas dores,
Te peço: de mim tem dó.”
Nisso, a Zurilda do Furadinho
Chegou dizendo ter pressa.
E o Zé disse: “Espere aí, rapariga
Que coisa feia é essa?!
A situação aqui complicou,
O seu dotô aqui se ferrou,
Tenho que atendê-lo depressa”.
“Não tenho nada com isso,
Tô aflita um bucado,
O meu filho tá morrendo,
Acho que tá empanzinado.
Dá logo essa garrafada,
Também vivo aguniada
Pra ver meu guri curado!”
“Um momentinho, por favor,
Primeiro tem o meu lamento!
Como é que posso esperar
Com todo esse sofrimento?
Tem dia que me dói tanto,
Me tire logo esse quebranto,
Senão vou desmaiar, não aguento.”
Continua na próxima edição
Publicado em 26/06/2025 - por Beltrano