
Sou o Professor Coruja e vou contar sobre acontecimentos que entristecem aqueles que sonham com um mundo melhor.
Na grande clareira da floresta, organizei uma Feira de Saberes com o objetivo de incentivar a leitura nos animas ainda em formação. Convidara todos os animais mestres — a Raposa das Letras, o Macaco das Contas, a Tartaruga da História — mas, no dia do evento, nenhum deles apareceu. O motivo era simples: ninguém era obrigado a participar.
Ainda assim, a clareira encheu-se de vida. Mais de quinhentos visitantes — lebres, cervos, esquilos e até javalis — circularam entre as tendas. Vinte e três autores-animais apresentaram suas fábulas, contos e romances, as oficinas ficaram lotadas, e os jovens filhotes entrevistaram escritores com brilho nos olhos. Os livros voavam das bancas como água fresca em dia de verão com animaizinhos lendo suas novas aquisições em grupos. Um sucesso absoluto.
Mas os mestres da floresta, aqueles que tanto falavam nas conversas informais em “formar leitores”, sequer bateram as asas para prestigiar o evento. Nem mesmo um aceno nas árvores de comunicação — os troncos onde se pregavam mensagens — foi dado.
Essa ausência me cutuca como um pica pau procurando o seu alimento em tronco infestado de bichinhos. Afinal, o que esperar de uma floresta em que até o Leão, soberano eleito pela maioria dos animais, proclamava em rugido semanal:
— “Os predadores TRAFICANTES são vítimas das presas VICIADAS também...”
Sim, o contexto pode ser interpretado como crítica à intervenção estrangeira em nome do combate ao tráfico em nossa floresta. Mas, convenhamos, é desolador ouvir do maior mandatário que os verdadeiros sacrificados — os que perdiam a vida, os que caíam na sarjeta da mata sem conseguir mais conviver em bando — eram tratados como notas de rodapé. Enquanto isso, parte da assembleia dos bichos insistia em romantizar a tragédia. E aqui me pergunto, em voz alta, no meu jeito de coruja neurodivergente em crise: será ingenuidade, conveniência ou envolvimento?
De volta a minha toca, grito sozinho, depois respirou fundo. Olho para as prateleiras da minha biblioteca particular — sim, tenho uma, e não é enfeite. Leio e releio meus livros como quem conversa com velhos amigos. Puxo então um pequeno volume de um sábio esquilo chamado Dostoiévski, Notas do Subterrâneo, e abro ao acaso, como quem busca conselho em oráculo. A frase saltou:
— “A razão é impotente diante das pequenas e grandes mesquinharias do animal.”
Eis a bofetada. Porque, em minha percepção, trabalhar apenas em troca de alimentos e benefícios, ignorar um evento cultural porque não dava frutos imediatos, ou simplificar a tragédia do vício e da violência como se fosse detalhe de estatística, eram atos mesquinhos. Atos que desmontavam qualquer argumentação racional.
Então questiono a situação, pois seria orgulho, autopunição ou simples comodismo que levava tantos a recusar aprender, mudar o que está errado, como apoiar líderes visivelmente corruptos? Talvez seja mais confortável permanecer na inércia do que encarar a responsabilidade de mudar.
Sou um simples Professor, não sou Dostoiévski, mas arrisco repetir sua lição: a razão, sozinha, é insuficiente para explicar os impulsos do instinto, que travam o desejo de participar de atos culturais ou, pior, que justificam o mal em nome de conveniências ideológicas.
E assim seguimos aqui na floresta: clareiras lotadas de leitores e vazias de mestres; rugidos oficiais que relativizavam tragédias; e a amarga constatação de que, muitas vezes, a mesquinhez fala mais alto que a razão. Mas jamais desistirei, porque acredito que apenas a Literatura e o desenvolvimento pessoal consertarão o mundo — ainda que o mundo insista em se autossabotar.
Moral da fábula
A floresta que despreza o saber cava o próprio subterrâneo. Só a leitura e o cultivo da mente podem iluminar os caminhos, mesmo quando a mesquinhez tenta apagar a razão.
Publicado em 31/10/2025 - por Daniel Camargo Thomaz