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Encontos & Desencrônicas - Edição 1.006

 

Sem contos de fadas, onde perdemos nossa inocência?

 

Por: Daniel Camargo Thomaz*

 

Domingo, Dia dos Pais. O clima parecia perfeito para um festival de lembranças doces: meu pai, defensor implacável da integridade dos filhos, severo como um juiz de Copa do Mundo, mas atencioso como avó italiana. Era o dia ideal para mergulhar na nostalgia… e, inevitavelmente, para as fofocas familiares.

Confesso que nunca entendi a necessidade de reunir tantas pessoas, tantos pais, tantos temperamentos num mesmo ambiente. Talvez seja minha mente neurodivergente, que rejeita o caos sonoro de 20 conversas simultâneas. Mas lá estávamos nós: nosso pátio parecia um salão comunitário, mesas de plástico cobertas com toalhas floridas, cheiro de churrasco misturado a perfume barato, e uma sinfonia de risadas, talheres batendo e histórias atravessadas.

Ao me aproximar de uma das rodas, avistei a prima da prima da minha esposa — e sim, é exatamente tão confuso quanto parece, uma mistura genealógica. Ela é professora, e preciso abrir um parêntese: não sei que pacto místico existe, mas professores me cercam até quando não estou na escola. Talvez seja perseguição pedagógica.

Enfim… lá estava ela, travando um duelo verbal com outra prima, desta vez a prima da minha esposa, que é estudante de Pedagogia. E o assunto? Um tal de Felca.

Eis que, contra minha vontade consciente, senti aquela atração irresistível pelas conversas fúteis. Talvez seja masoquismo intelectual, só pode! Aproximei-me, disfarçadamente, como quem só queria mais farofa e ouvi...

— Veja bem — dizia a prima da prima da minha esposa, gesticulando como quem rege uma orquestra desafinada —, esse Felca só quer ganhar mídia! É um abobado sem noção, um depressivo e dizem dependente químico. Aposto que é um fascista fingindo ser bonzinho com crianças.

Eu, que mal sabia de quem se tratava, afastei-me discretamente e puxei o celular. Viva a internet, pois não é preciso saber nada para parecer informado em três minutos.

Pesquisei. Lá estava: Felipe Bressanim Pereira, youtuber que publicou um vídeo denunciando um esquema sistemático de sexualização e “adultização” de crianças e adolescentes nas redes sociais. Ele afirma que certos influenciadores expõem menores de idade em situações tristes e manipuladas, o que acaba servindo de prato cheio para pedófilos.

Agora, munido de conhecimento suficiente para sobreviver à conversa, voltei à roda.

— Olha só — dizia a prima da minha esposa, já com ar professoral —, pedofilia é crime! Pouco importa se o cara quer aparecer; pelo menos está denunciando algo importante.

A prima da prima rebateu com um sorriso de “achei seu ponto fraco”:

— Ah, mas pelo que eu sei, esse Felca também segue menores de idade. Pra mim, é um hipócrita sem noção!

Fiquei perplexo. Lembrei-me de 2020, quando Damares Alves, então Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, declarou que havia casos de prostituição infantil em comunidades ribeirinhas da Amazônia. Muitos a acusaram de exagero, de usar narrativas chocantes para capitalizar politicamente. A internet fez a sua parte: memes, piadas e mais memes, todos desconstruindo a imagem de Damares.

A discussão ali, na roda, já tinha deixado de ser sobre o crime em si. Tornara-se um ringue ideológico, onde a “verdade” pouco importava — o que valia era derrubar o outro com uma frase de efeito.

Olho ao redor e vejo crianças dançando aquelas coreografias sensuais de TikTok e percebo que a “adultização” não está tão distante. As crianças vidradas no celular, dançando músicas com letras desrespeitosas e os adultos... ninguém notava!

Então, como sempre faço nesses momentos, recuei. Fui buscar um canto silencioso para refletir. E me veio à memória um episódio de 1977: uma carta aberta publicada no Le Monde pedindo a descriminalização de relações sexuais consentidas entre adultos e menores de 15 anos. Assinada por ninguém menos que Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Michel Foucault, entre outros. Também defendia a libertação de três homens presos por “atentado ao pudor sem violência” contra menores. 

E enquanto lembrava desse episódio, percebi que esse rapaz, o Felca, Damares e muitos outros que tentam denunciar crimes contra nossas crianças são ridicularizados, enquanto intelectuais que parecem considerar o abuso e a “adultização” naturais são extremamente respeitados. Foi inevitável - Uma lágrima escapou. Pensei: que mundo é este, onde intelectuais de prestígio defendem o indefensável e pessoas que reclamam da sexualização e da prostituição infantil são criticadas?

Saudade dos tempos em que as crianças liam contos de fadas e sabiam exatamente quem era o vilão e quem poderia protegê-las. Histórias em que o bem e o mal eram traçados com linhas nítidas, permitindo que a imaginação infantil construísse valores sólidos e compreendesse a importância da virtude. Obras como as dos irmãos Grimm, Charles Perrault e Hans Christian Andersen não eram meros passatempos; eram instrumentos de formação moral, repletos de símbolos que ajudavam a distinguir o certo do errado, como aponta Bruno Bettelheim em A Psicanálise dos Contos de Fadas. Hoje, no entanto, vive-se um tempo em que a narrativa infantil muitas vezes dilui fronteiras éticas, relativizando comportamentos e confundindo referências. Pensativo, afastei-me da roda, peguei meu filho no colo, apertei-o contra o peito e disse:

— Vamos jogar bola?

 

* Professor e escritor, membro da Academia de Letras de Palhoça, atua nas áreas de Língua Portuguesa, Literatura e História. Autor de livros como "Fábulas para o século XXI", "La Befana – um conto de Natal", "Caco em busca da felicidade", "Não se Iluda" e "Uma escolha, um destino"

 

 



Publicado em 14/08/2025 - por Palhocense

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