As duas faces do amor
Por: Rui Miguel Trindade dos Santos*
“O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.” — Fernando Pessoa
E o segundo maior mandamento, segundo o rabi do primeiro século, Jesus, o Nazareno, é: “Ame ao próximo como a ti mesmo”.
Esta é a regra principal de quase todas as religiões: amar ao próximo. Demonstrar amor às pessoas que você não conhece e amar sem ao menos esperar um retorno, uma gratidão, sem sequer esperar um agradecimento. Amar por amar. O altruísmo.
A humanidade parece tão medíocre porque nós nos esquecemos da lei de dar e receber. Em vez de se doar, o amor se transforma em um mendigo — sempre pedindo. A esposa pede: “Me ame, sou sua esposa.” O marido diz: “Me ame.” Todo mundo pede: “Me ame.” Mas quem é que vai dar? E como, no mundo, alguém dará, se todos somos mendigos?
Entendam isto: para amar ao próximo, não damos aquilo que não temos. Quando nós nos amamos, esse amor é tão grande que transborda, e você quer — e precisa — compartilhar isso com alguém. Por isso, amar-se primeiro é o primeiro passo. E isso não é narcisismo. Longe disso.
O amor narcisista é egoísta. Só tem como objetivo o próprio prazer. Ele é solitário, vazio e pobre. Narciso apaixonou-se pelo seu reflexo — não por si próprio. Isso não é o verdadeiro amor-próprio. Ele apaixonou-se pelo reflexo; o reflexo é o outro. Ele transformou-se em dois, ficou dividido. Narciso dividiu-se. Estava em um estado de esquizofrenia. Tornou-se dois — o amante e o amado.
A rotina e o trabalho estão consumindo o seu bem mais precioso: o tempo — com você mesmo e com sua família. Somos influenciados pelo modo como a sociedade inverte os valores hoje. Quando um soldado vai para a guerra ou um general volta de uma batalha, ambos, dependendo do que conquistaram ou de quantas pessoas mataram, recebem condecorações ou estrelas no uniforme. Quer dizer, mostram a todos que foram recompensados por matar outros ou desfazer lares e famílias, mesmo que inocentes.
Alguém já viu alguma sociedade recompensar seus amantes? Não. Amantes devem ser condenados. Nenhuma sociedade permite qualquer tipo de respeito aos amantes, pois o amor é uma maldição para a sociedade. Portanto, a primeira coisa que todos os interesses institucionais fazem é desviar o homem do amor — e têm conseguido isso até agora.
O amor nada dá senão a si próprio e nada recebe senão de si próprio.
* Psicanalista, escritor e comendador. Autor de dois livros — entre eles, “O Livro das Virtudes para Geração Z e Alpha” —, dedica-se a despertar nas pessoas o poder de questionar tudo, refletir profundamente sobre si mesmas e redescobrir o sentido de viver com propósito e consciência
Publicado em 09/10/2025 - por Palhocense