Chego em casa exausto. Sexta-feira é, sem dúvida, o dia mais desgastante da escola. Os estudantes já estão com a cabeça no fim de semana e, qualquer tentativa de interação, é prontamente rechaçada. Afinal, quem é que quer pensar em uma sexta-feira? Muitos se comportam como crianças mimadas, incapazes de aceitar questionamentos ou admitir erros. Até aí, tudo bem... quem nunca?
Abro a porta e entro pela cozinha — sim, sempre pela cozinha — e encontro minha esposa e minha filha mais velha rindo, como diriam os antigos, “em perfeita afinação”. Aproximo-me em silêncio, mas elas sequer percebem minha presença. Então arrisco:
— E aí, o que foi?
As duas saltam das banquetas como se tivessem visto um fantasma. Minha esposa, sempre um pouco exagerada, derruba o café na mesa, mas, surpreendentemente, não briga comigo. Em vez disso, mostra a tela do celular: um meme de internet com adultos usando bicos de bebê e chupetas, como se fossem recém-nascidos.
Arqueei a sobrancelha:
— Mas o que é isso? Inteligência artificial?
Entre gargalhadas, minha esposa, pela primeira vez na vida ignorando a sujeira que escorria pela toalha, responde junto com minha filha:
— Não é IA, não! Olha aqui — diz Jana, já em tom professoral. — Até o Léo Fraiman, aquele psicoterapeuta famoso, está falando disso. Gente adulta usando chupeta para aliviar o estresse, dormir melhor e até controlar a ansiedade. Incrível, né?
Para quem me conhece, já sabe: larguei minha pasta no canto, servi um café recém-passado e me sentei. A cena, inevitavelmente, trouxe à memória a guerra dos “Pequenos” — Lilliput versus Blefuscu, descrita no clássico Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift. Lá, todo o conflito nasce de uma discussão absurda: afinal, o ovo deveria ser quebrado pela extremidade fina ou grossa? O imperador de Lilliput, em sua genialidade tirânica, chegou a proibir o “lado errado”, punindo os infratores até com a morte.
O que poderia ser apenas uma anedota literária, na verdade, é um retrato perturbador: quando sociedades inteiras se deixam conduzir pela imaturidade, pequenas questões tornam-se guerras, caprichos transformam-se em leis, e opiniões frágeis ganham o peso de decretos. A mesma infantilidade que faz adultos buscarem chupetas para “alívio existencial” é a que, em escala maior, pode justificar perseguições, polarizações e até tragédias. O mundo de Swift é, assustadoramente, o nosso: onde se morre pelo ovo quebrado no lado errado, e onde se ri de problemas sérios até que eles nos engulam.
Volto à realidade com a gargalhada dupla ecoando pela cozinha. Minha filha e minha esposa, cúmplices no deboche, não perdoam:
— Ah, lá vai o autista viajar nas histórias dele! Terra chamando Daniel...
Respiro fundo, mas não deixo de pensar no absurdo que me cerca. Crianças cada vez mais “adultas” e adultos cada vez mais infantilizados, frágeis e culpados. Recordo, então, dos livros da Série Psicológica, psicografada por Divaldo Pereira, sob orientação do espírito Joanna de Ângelis. Quem não acredita em espíritos pode, ao menos, se apegar às reflexões. Ali, aprendi que muitos se apegam a comportamentos infantis para fugir do processo doloroso do autodescobrimento. É mais fácil mascarar as fragilidades com manias e vícios do que encarar o duro caminho da maturidade integral.
É nesse instante que sinto um cutucão. Minha esposa, ainda rindo das minhas divagações, me traz de volta ao aqui e agora:
— Então, querido... vamos comer o quê hoje? Estou pensando em pizza. O que acha?
E assim, entre filosofia, chupetas e risadas, encerro minha semana.
Publicado em 21/08/2025 - por Palhocense